segunda-feira, 25 de outubro de 2010

com a devida vénia as palavras de brissos lino...

O Processo da Casa Ímpia

O processo Casa Pia enfermou de duas “doenças” fatais, pelo menos. Por um lado o seu tamanho mastodôntico, que acabou por produzir um acórdão com quase duas mil páginas e por outro lado a sua excessiva mediatização, sempre associada a criminosas, quanto impunes, violações do segredo de justiça. É minha convicção que qualquer dos dois factores prejudicou a boa administração da justiça, que competia ao tribunal, em nome do povo.
O processo Casa Pia é essencialmente o processo Carlos Silvino, até pelo número inacreditável de crimes de que vinha acusado. Todavia, para a opinião pública, era essencialmente o processo Carlos Cruz. Mas há coisas que nos deixam desconfortáveis no texto desta sentença.

Por um lado o “modus faciendi” dos crimes parece estranhamente fotocopiado uns dos outros, como se os acusados tivessem ensaiado previamente a liturgia dos abusos.

Depois, as datas (e alguns locais) dos crimes são demasiado indeterminadas. A expressão “em dia não concretamente apurado” é recorrente. Repare-se no que se diz, a dado passo da sentença: “E permitindo, a análise que antecede, o Tribunal concluir que as situações em que objectivamente ocorrem discrepâncias nas declarações do arguido Carlos Silvino da Silva quanto a datas, locais, dias, momentos do dia, particularidades de locais – como é uma das situações, por exemplo, da - Avenida das Forças Armadas -, não têm como única explicação a mentira.”

Ou então este naco: “O facto de o arguido Carlos Pereira Cruz não ter sido visto naquele prédio, não exclui a possibilidade de lá ter estado, como afirma o assistente e o arguido Carlos Silvino da Silva.” Como diria o senhor de La Palisse. E eu acrescento que, se a minha avó não tivesse morrido ainda hoje era viva…

Ainda se compreendem menos as inocentes tentativas de justificação do tribunal, exaradas no acórdão, relativas tanto à pressão da comunicação social como à suspeita de que esta estória teria sido armada com a conivência da PJ.

Porém, se o tribunal tivesse optado por separar o processo de Carlos Silvino dos restantes, teríamos certamente ganhos substanciais, já que este arguido vinha acusado de largas dezenas de crimes de diversa natureza, mais do que os outros todos juntos.

Mais do que qualquer dos condenados, o grande culpado de tudo isto é o Estado, que não soube salvaguardar e proteger as crianças entregues à sua guarda, ainda por cima vindo a maior parte das vítimas de famílias desestruturadas, e revelando-se, à época, tão fragilizadas pessoalmente e condicionadas no seu desenvolvimento.

E o maior culpado, afinal, só não passa inteiramente impune porque terá que desembolsar as indemnizações respeitantes às condenações cíveis, no caso do arguido Carlos Silvino, por falta de meios próprios para o efeito. E mais uma vez somos nós todos a pagar. Responsabilidades personalizadas, de quem dirigiu a instituição no tempo desses crimes, ou da tutela não existem.

Dado o estado comatoso em que se encontra a justiça portuguesa, ninguém estava à espera de grande coisa.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.